A Fé que Faz Bem à
Saúde
Novos
estudos mostram que o cérebro é “programado” para acreditar em Deus – e que
isso nos ajuda a viver mais e melhor
(Por
Letícia Sorg e Marcela Buscato – Revista Época, 20/03/2009)
A
capacidade inata de buscar explicação de um fenômeno é umas das diferenças
entre os seres humanos e outros animais. O homem primitivo não tinha como
entender eventos mais complexos como a erupção de um vulcão, um eclipse ou um
raio.
A
busca de explicações sobrenaturais pode ser considerada natural. Mas por que
ela desembocou na fé e no surgimento das religiões? Cientistas de diferentes
áreas se debruçaram sobre a questão nos últimos anos e chegaram a conclusões
surpreendentes. Não só a fé parece estar programada em nosso cérebro, como
teria benefícios para a saúde.
Com
sua intuição genial, Charles Darwin, criador da teoria da evolução há 150 anos,
já havia registrado ideia semelhante no livro A descendência do homem, em
1871: “Uma crença em agentes espirituais onipresentes parece ser universal”.
“Somos predispostos biologicamente a ter crenças, entre elas a religiosa”, diz
Jordan Grafman, chefe do departamento de neurociência cognitiva do Instituto
Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame (leia
a entrevista). Grafman é o autor de uma das pesquisas mais recentes sobre o
tema, publicada neste mês na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.
Em
seu estudo, Grafman analisou o cérebro de 40 pessoas – religiosas e não
religiosas – enquanto liam frases que confirmavam ou confrontavam a crença em
Deus. Usando imagens de ressonância magnética funcional – que mede a oxigenação
do cérebro –, o neurocientista descobriu que as partes ativadas durante a
leitura de frases relacionadas à fé eram quase as mesmas usadas para entender
as emoções e as intenções de outras pessoas.
Isso
quer dizer, segundo Grafman, que a capacidade de crer em um ser ou ordem
superior possivelmente surgiu ao mesmo tempo que a habilidade de prever o
comportamento de outra pessoa – fundamental para a sobrevivência da espécie e a
formação da sociedade. E para estabelecer relações de causa e efeito. A
interferência de um ser muito poderoso seria uma explicação eficiente para
aplacar a necessidade de entender o que não se consegue explicar com o conhecimento
comum.
Mas
o que levaria o ser humano, dotado de razão, a acreditar que um velhinho de
barba branca, em cima de uma nuvem, que atira raios sobre a Terra? Ou que 72
virgens aguardam os fiéis no Paraíso? “Tendemos a atribuir características
humanas às coisas, inclusive ao ser divino”, diz Andrew Newberg, neurocientista
da Universidade da Pensilvânia (leia
a entrevista), autor de outro importante estudo sobre o poder da meditação
e da oração. “A crença religiosa surgiu como um efeito colateral da maneira
como nossa mente é organizada, da maneira como ela funciona naturalmente”, diz
Justin Barrett, antropólogo e professor da Universidade de Oxford.
Para Barrett, autor
do livro Why would anyone believe in God? (“Por que alguém
acreditaria em Deus?”), há evidências de que os sistemas religiosos ajudam a
manter comunidades unidas – a dividir, a confiar, a construir redes sociais
mais fortes. Barrett afirma que a mente das crianças é um exemplo de como a fé
se manifesta precocemente.
Em
uma das experiências, pesquisadores mostraram uma caixa de biscoitos às
crianças e perguntaram a elas o que havia dentro. Como não são bobas, as
crianças responderam: “Biscoitos”. Ao abrir a caixa, o que encontravam eram
pedras. Então, os cientistas perguntaram às mesmas crianças o que suas mães
achariam que havia dentro da lata e o que Deus diria se visse a lata. As
crianças de 3 anos disseram que as mães, assim como Deus, diriam que havia
pedras. A partir dos 5 anos, elas responderam que a mãe diria “biscoitos”, mas
que Deus responderia “pedras”.
Já
se chegou a pensar que uma espécie de curto-circuito na parte lateral do
cérebro pudesse gerar casos de religiosidade extrema. Ficou famosa uma
experiência do neurocientista americano Michael Persinger, batizada “O Capacete
de Deus”: um capacete que estimulava eletricamente o cérebro do usuário.
Segundo Persinger, oito em cada dez pessoas, qualquer que fosse a confissão
religiosa, diziam experimentar um “sentimento religioso” ao vestir o aparato.
Mas a maioria dos estudos científicos recentes – sejam eles baseados em imagens
do cérebro ou no comportamento humano – afastou a hipótese de que a experiência
religiosa seja o mero efeito de estímulos eletromagnéticos em uma parte
específica do cérebro.
O
biólogo evolucionista pop e “ateu militante” Richard Dawkins chegou a usar o
capacete para um documentário da BBC britânica. Não conseguiu “encontrar Deus”
– só desconforto para respirar e mexer-se. Hoje, Persinger se defende das
críticas a seu estudo. “A ‘estimulação religiosa’ reduz a ansiedade e pode ser
útil para melhorar a cooperação social”, disse.
Em
2004, o cientista americano Dean Hamer chegou a divulgar que havia descoberto
um gene ligado à fé. Publicou o livro “O gene de Deus”. Batizado “vmat2”,
seria responsável pelo transporte de mensageiros cerebrais, entre eles a
serotonina, além de gerar o pensamento religioso. Polêmico na academia desde
que anunciou a descoberta de um “gene gay”, supostamente responsável pela
homossexualidade masculina, Hamer e seu livro foram acolhidos com ceticismo.
Para
Jordan Grafman, explicações únicas são insuficientes para elucidar a origem da
fé em algo divino. A imprensa batizou seu estudo de “God spot” (o “ponto de Deus”), um trocadilho com o suposto “ponto
G”, responsável pelo orgasmo feminino. “O ‘ponto de Deus’ é tão mítico quanto o
ponto G”, diz Grafman, irônico.
Andrew
Newberg também descarta explicações simplistas. Vários estudos demonstraram uma
relação entre experiências religiosas e certos tipos de desordem cerebral. “Mas
essas associações não podem ser a única resposta”, diz Newberg. Apenas uma
pequena porcentagem das pessoas que sofrem de epilepsia no lobo temporal tem
esse tipo de experiência.
Newberg,
que estuda as manifestações cerebrais da fé há pelo menos 15 anos, descobriu
que as práticas religiosas acionam, entre outras regiões do cérebro, os lobos
frontais, responsáveis pela capacidade de concentração, e os parietais, que nos
dão a consciência de nós mesmos e do mundo. Em seu novo livro, How God changes the brain (“Como
Deus muda seu cérebro”), que será lançado nesta semana nos Estados Unidos,
Newberg explora os efeitos da fé sobre o cérebro e a vida das pessoas.
Segundo
o neurocientista, os estudos anteriores olhavam para os efeitos de curto prazo
de práticas como a meditação e a oração. Agora, ele e seu grupo encararam a
difícil tarefa de responder à questão: o que acontecerá se você adotar, com
frequência, uma prática como a meditação ou a prece?
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