Tratamentos para a
alma: Médicos e hospitais começam a adotar a espiritualidade e a esperança como
recursos para o combate de doenças
(27/08/2008
– Revista ISTOÉ, por Adriana Prado e Greice Rodrigues. Colaborou Cilene
Pereira)
Há
uma revolução em curso na medicina que mudará para sempre a forma de tratar o
paciente. Médicos e instituições hospitalares do mundo todo começam a incluir
nas suas rotinas de maneira sistemática e definitiva a prática de estimular nos pacientes o fortalecimento da esperança, do
otimismo, do bom humor e da espiritualidade.
O
objetivo é simples: despertar ou fortificar nos indivíduos
condições emocionais positivas, já abalizadas pela ciência como recursos
eficazes no combate a doenças. Esses elementos funcionariam, na verdade,
como remédios para a alma – mas com repercussões benéficas para o corpo. No
Brasil, a nova postura faz parte do cotidiano de instituições do porte do
Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, da Rede Sarah Kubitschek e do
Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), no Rio de Janeiro, três
referências nacionais na área de reabilitação física.
Nos
Estados Unidos, o conceito integra a filosofia de trabalho, entre outros
centros, do Instituto Nacional do Câncer, um dos mais importantes pólos de
pesquisa sobre a enfermidade do planeta, e da renomada Clínica Mayo, conhecida
por estudos de grande repercussão e tratamentos de primeira linha.
A
adoção desta postura teve origem primeiro na constatação empírica de que atitudes mais positivas traziam benefício
aos pacientes. Isso começou a ser observado principalmente em centros de
tratamento de doenças graves como câncer e males que exigem do indivíduo uma
força monumental. No dia-a-dia, os médicos percebiam que os doentes apoiados em
algum tipo de fé e que mantinham a esperança na recuperação de fato
apresentavam melhores prognósticos. A partir daí, pesquisadores ligados principalmente
a essas instituições iniciaram estudos sobre o tema.
Hoje
há dezenas deles. Um exemplo é um trabalho publicado na edição deste mês da
revista científica BMC Câncer sugerindo que o otimismo é um fator de proteção contra o câncer de mama.
“Verificamos que mulheres expostas a eventos negativos têm mais risco de
contrair a doença do que aquelas que apresentam maiores sentimentos de felicidade
e positivismo”, explicou Ronit Peled, da Universidade de Neguev, de Israel,
autor da pesquisa.
Na
última edição do Annals of Family Medicine – publicação de várias sociedades
científicas voltadas ao estudo de medicina da família – há outra mostra do que
vem sendo obtido. Uma pesquisa divulgada na revista revelou que homens otimistas em relação à própria
saúde de alguma forma ficaram
mais protegidos de doenças cardiovasculares. Os cientistas acompanharam 2,8
mil voluntários durante 15 anos. Eles constataram que a incidência de morte por
infarto ou acidente vascular cerebral foi três vezes menor entre aqueles que no
início estavam mais confiantes em manter uma boa condição física.
Provas
dos efeitos da adoção da
espiritualidade na melhora da saúde também começaram a surgir. Nos
estudos sobre o tema, a prática aparece associada à redução da ansiedade, da depressão e à diminuição
da dor, entre outras repercussões.
No
Brasil, a inclusão da ferramenta na prática médica está mudando a rotina dos
hospitais. No Instituto de Ortopedia, no Rio de Janeiro, por exemplo, o
trabalho médico é acompanhado pelo suporte psicológico, dedicado especialmente
a fortalecer uma atitude mais positiva. O trabalho, claro, não é simples. Os
pacientes costumam ser vítimas de traumas medulares ocorridos em situações como
acidentes ou quedas. De uma hora para outra, têm a vida totalmente limitada.
“Por isso, precisamos ajudá-los a enfrentar a nova situação. Eles têm de passar
por uma reabilitação física e emocional”, explica a psicóloga Fátima Alves,
responsável pelo grupo.
E
quem faz isso usando o otimismo e a esperança como armas sai ganhando.
“Mostramos principalmente aos mais descrentes que a postura positiva no enfrentamento da doença é um remédio”, afirma
Tito Rocha, coordenador da unidade hospitalar do instituto. Em breve, eles
abrirão um grupo para incentivar o cultivo da espiritualidade pelos doentes.
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Na
Rede Sarah, os pacientes são estimulados a participar
de atividades que melhorem o
humor e a disposição. Entre eles, estão o remo, a dança e os jogos. “No processo de reabilitação, esses recursos
são fundamentais”, afirma Lúcia Willadino Braga, presidente da Rede Sarah e
considerada uma das melhores neurocientistas do País. “A doença deixa de ser o foco. Quando isso acontece, a recuperação é acelerada. O paciente
fica menos tempo internado e retorna
às suas atividades mais rapidamente”, afirma. Constatações semelhantes são
obtidas no InCor, em São Paulo. Lá, quem está internado recebe suporte
psicológico para não entrar em depressão – já considerada fator de risco para
doenças cardíacas – e manter o otimismo. “É
preciso dar força para o espírito para que o corpo se recupere”, afirma o
cardiologista Carlos Pastore, diretor de serviços médicos da instituição.
Talvez
o símbolo mais emblemático do fim do preconceito da medicina ocidental contra
questões relativas à emoções e espiritualidade seja o que está acontecendo na
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), a mais tradicional do
País. Em novembro, a instituição sediará um evento para mostrar aos
profissionais de saúde a importância de recursos como a espiritualidade e o bom
humor na recuperação de pacientes. O curso será ministrado pelo geriatra
Franklin dos Santos, professor de pós-graduação da disciplina de emergências
médicas da universidade. No programa, há um bom espaço para ensinar os médicos
e enfermeiros a usarem essas ferramentas. “Discutimos como isso deve ser
aplicado na prática”, diz o médico, que tem dado palestras pelas escolas de
medicina do País inteiro.
Nos
Estados Unidos, também há um esforço para treinar os profissionais de saúde. Só
para se ter uma idéia, o Instituto Nacional de Câncer americano criou uma
espécie de guia para orientar médicos, enfermeiros e psicólogos sobre como usar
a espiritualidade do paciente a seu favor. Todo esse interesse é o sinal mais
patente de que a revolução vai durar. Por isso, ninguém deve se surpreender se
quando chegar ao consultório médico for indagado sobre suas condições de saúde,
obviamente, mas também sobre sua relação
com a espiritualidade ou disposição de esperança. “Questões como essas devem começar a ser cada vez mais levantadas”,
defende Brick Johnstone, professor de psicologia médica da Universidade
Missouri-Columbia, nos EUA.